Web Biology - Capitulo 31




O quê? 
- É isso mesmo. 
- O que exatamente eu perdi, alguém pode me explicar? 
Starbucks, eu, Sophia, Chay e uma verdade bombástica depois da aula de segunda-feira. Eu sabia que esse momento chegaria. 
- É... Digamos que você esteve ausente durante algumas reviravoltas – respondi a Chay, coçando a nuca meio sem jeito – Pensei que a Sophia já tinha te contado. 
- Não, eu não estou sabendo de nada – ele negou, boquiaberto, e ambos olhamos para Sophia, cujo queixo sumia de vista sob a mesa e olhos me fitavam com infinito choque – Amor? 
- Caralho, Lua – ela xingou, após alguns segundos paralisada, e Chay soltou um suspiro de alívio diante do sinal de vida dela – Puta que pariu! 
- É, eu sei – respirei fundo, tomando um gole de meu cappuccino. Eu precisaria de muita cafeína para aguentar o tranco. 
- Alguém pode me inteirar do assunto, por favor? – Chay reclamou, totalmente confuso, e vendo que Sophia voltara a ficar imóvel, me manifestei. 
- Como você já deve saber, eu e Mica estamos namorando – comecei, vendo-o assentir – Acontece que há algum tempo, Thur e eu acabamos nos envolvendo também, e as coisas aconteceram tão rápido entre nós que acabamos nos apaixonando. Eu sei que isso soa ridículo, mas não é, acredite. Pelo contrário, é a mais pura verdade. E... É tão verdadeiro que eu estou cogitando a possibilidade de terminar tudo com Mica pra ficar com ele. 
O quê? – Sophia repetiu, um pouco mais alto que antes, e eu fiz uma careta medrosa, enquanto Chay segurava sua mão e a olhava com preocupação. 
- Meu Deus do céu – ele disse, olhando-me com extremo espanto – Você deixa essas coisas acontecerem na sua vida justo quando eu não estou? Vou levar isso como uma ofensa! 
- Não fale como se as coisas não acontecessem na minha vida quando você estava por perto também – resmunguei, vendo-o erguer as sobrancelhas, concordando – Não se esqueça que meu primeiro beijo foi no armário do quarto da sua avó com um garoto que eu mal conhecia, e você estava do outro lado da porta ouvindo tudo. 
- Eu nunca vou me esquecer do Eric dizendo Não precisa usar os dentes, Lua, sua língua já é o suficiente naquele tom tão assustado – ele suspirou, como se aquela fosse uma belíssima lembrança – Até hoje eu te imagino querendo morder o pobre garoto feito uma barracuda. Coitadinho, ele era um bom rapaz. 
- Cala a boca, garoto que peidou e espirrou no meio da encenação de Hamlet – mostrei a língua, prendendo o riso e vendo-o retribuir meu gesto de carinho – Ser ou não ser, eis a questão foi seu trauma durante anos, e você nunca sabia se explicava a versão verdadeira ou se simplesmente deixava as pessoas pensarem que você tinha dúvidas quanto a sua orientação sexual quando te perguntavam por que você odiava tanto Shakespeare. As duas hipóteses lhe pareciam igualmente constrangedoras. 
- Caralho, Lua – Sophia voltou a dizer, da mesma maneira de antes, e eu simplesmente a ignorei, assim como Chay; éramos melhores amigos há eras, sabíamos muito bem que ela ainda repetiria as mesmas palavras por um tempo, até finalmente absorver a notícia – Puta que pariu! 
- Você confia nele? – Chay perguntou, voltando ao assunto e dando uma mordida em seu muffin de chocolate; eu assenti sem hesitar – Tem certeza de que ele te ama? 
- Acho que nunca tive tanta certeza de alguma coisa quanto eu tenho disso – respondi, disfarçando um sorriso idiota – É tão nítido que chega a me assustar. 
- Bom... Você sabe que eu também te amo – ele falou, após alguns segundos de reflexão, e eu deixei o sorriso idiota surgir – Não é novidade que eu vou achar defeitos em qualquer cara que se aproximar de você, e vou continuar sentindo ciúmes por ele ter conquistado a pessoa mais foda do universo... Mas enquanto você o achar digno o suficiente para merecer estar ao seu lado, eu vou dar a maior força. 
- Awn, Chay! – gemi, emocionada com suas palavras, e dei a volta na mesa, indo até ele e abraçando-o bem apertado – Eu é que tenho muita sorte de ter um amigo como você! - Isso, agora diz que eu sou gostoso – ele piscou, fazendo-me rir e beijar seu rosto. 
- Gostoso, tesão! – falei, mandando-lhe um beijo sedutor e vendo-o passar a língua sensualmente pelos lábios. 
- Eu posso estar em choque, mas ainda estou aqui – Sophia disse, virando o rosto lentamente para o namorado, que abandonou sua postura pornográfica na mesma hora – E estou ouvindo. 
- Calma, amor – ele falou, como se estivesse conversando com uma criancinha – Quer que eu te seduza também? 
- Mais tarde – ela cerrou os olhos, fazendo um beicinho falsamente triste surgir nos lábios de Chay – Eu preciso resolver umas pendências agora, e não quero distrações. 
- Tá bom, pode deixar, vou ficar bem quietinho – ele assentiu, feito um cachorrinho, recebendo um selinho de agradecimento da namorada e fazendo-me rir baixinho. Sophia suspirou e virou-se para mim, dando um belo gole em seu mokaccino e entrelaçando os próprios dedos sobre a mesa logo em seguida. 
- Você sabe que eu fui a primeira pessoa a saber sobre você e o Thur, e provavelmente a única até poucos minutos atrás – ela começou, olhando-me com seriedade, porém sem parecer furiosa ou ameaçadora – Eu sou a pessoa que te conhece talvez até melhor que a sua mãe, e quase sempre até melhor que você mesma. E eu nunca, nunca, nem quando te disse que já sabia que você sempre se envolvia com os caras errados, imaginei te ouvir dizendo isso. 
- Nem eu, Soph, acredite – falei, apreensiva – Você sabe muito bem o quanto eu o odiava. 
- Foi exatamente por saber disso que eu me assustei – ela assentiu, compreensiva – E... Bem, não há muito que eu possa dizer. O Chay já disse tudo. Eu só quero que você pense muito bem antes de escolher um dos dois... Você pode se arrepender muito se tomar a decisão errada, e eu não quero que você sofra. 
- Ela tem razão, Lu – Chay concordou, sério – Não aja por impulso, é a pior coisa que você pode fazer. 
- Já faz quase um mês que eu comecei a me envolver com Thur – suspirei, buscando qualquer tipo de falha em minha linha de raciocínio – E desde a primeira vez em que o beijei, esse pensamento assombra a minha mente. No começo foi puro impulso, eu confesso... Mas agora... É muito mais intenso. É tão forte que eu já não consigo mais pensar em Mica da mesma forma. Eu continuo vendo-o como a pessoa maravilhosa que ele é, mas já não sinto todo aquele amor que sentia antes... É quase como se eu o quisesse como um amigo. 
Chay e Sophia suspiraram ao mesmo tempo, inseguros quanto à minha atmosfera de certeza, e entreolharam-se, finalmente rendendo-se diante de minha convicção. 
- Você sabe que pode contar com a gente, não sabe? – Sophia sorriu fraco, ainda um pouco temerosa por minha decisão – Nós só queremos o seu bem, e se você acha que ele te fará feliz... O que nós podemos fazer a não ser te apoiar? 
- Ele já me faz feliz, Soph – murmurei com um sorriso carinhoso, segurando sua mão por sobre a mesa – Mas não se preocupe, eu ainda vou pensar com bastante cuidado antes de tomar qualquer atitude. Obrigada por se preocuparem comigo, vocês são demais. 
- Faça o que o seu coração manda – Chay disse, unindo sua mão às nossas, e logo em seguida fez uma careta – Meu Deus, como sou gay de vez em quando. 
- Você que não ouse virar gay – Sophia resmungou, prendendo o riso e olhando-o ameaçadoramente – Corto seu brinquedinho fora e te faço ser passivo pro resto da vida. 
- Ah, até que deve ser legal dar, né? – ele pensou alto, com um sorrisinho esperançoso no rosto e o olhar vago – Como deve ser a sensação? 
- Cala a boca, Chay! – eu e Sophia exclamamos, incomodadas com a imagem que surgiu em nossas mentes, e ele caiu na gargalhada, assim como nós duas. Logo uma mini guerra de muffins começou, o que nos rendeu olhares de censura das outras pessoas presentes, porém nada com o qual já não estivéssemos acostumados. 
Alguma dúvida de que eu tinha os melhores amigos do mundo? 

- Acho tão sexy te ver tirando essas luvas, sabia? 
Cruzei minhas pernas sobre o banco do laboratório vazio de biologia no qual estava sentada, observando Thur se desfazer de suas luvas plásticas distraidamente. Um sorriso esguio surgiu em seus lábios sedutores, e seus olhos logo se ergueram de suas mãos para minhas íris luxuriosas. 
- Seria ainda mais sexy te ver tirando essas luvas pra mim – ele provocou, fazendo-me erguer uma sobrancelha em tom de desafio – Com os dentes. 
- Meu hálito de tripa de lula seria tão excitante depois de um fetiche desses! – ironizei, vendo-o gargalhar diante de minha observação inteligente – Mas se forem luvas limpas, eu topo. 
- Vou trazer luvas extras de hoje em diante – ele riu, balançando negativamente a cabeça enquanto se dirigia ao cesto de lixo para jogar as luvas fora e logo em seguida tirando o jaleco. 
- Ei, eu queria fazer isso! – briguei, fazendo biquinho ao vê-lo colocar a peça branca sobre sua mesa – Põe de novo! 
- Você não se cansa de tirar meu jaleco não? – ele perguntou, com um sorriso intrigado enquanto voltava a vestir seu avental – Qual é a graça disso? 
- E qual é a graça disso? – rebati, ficando de pé e indicando meu corpo com minhas mãos – Juro que não te entendo. 
- Eu vejo muita graça nisso, se você quer saber – Thur murmurou, observando-me de cima a baixo de um jeito nada discreto e fixando seus olhos extremamente Castanhos nos meus ao terminar sua análise – Ainda mais quando você fica toda arrepiada com os meus olhares que nem agora. 
Senti meu rosto esquentar e corar depressa, e fechei os olhos ao ser desmascarada. Como ele sabia que tinha conseguido me arrepiar? 
- Agora eu fiquei sem graça – suspirei, cruzando os braços e encarando meus tênis com um biquinho birrento – Odeio você. 
- Me odeia tanto que tá toda vermelha – ele sorriu, esperto, indo até mim e erguendo meu rosto com o indicador em meu queixo – Essa vergonha toda some assim que eu tirar essa sua roupa, aposto. Assim como a minha sanidade, é claro. 
Thur! – o repreendi, vendo cerrar os olhos de um jeito provocante – Só você enxerga essa deusa do sexo que eu supostamente sou. Isso é problema mental, sabia? 
- Você diz isso porque nunca viu quantos caras ficam secando seu pescoço quando seu cabelo tá preso na aula – ele resmungou, adotando uma expressão um tanto ranzinza apesar do bom humor ainda presente e postando suas mãos em meus quadris – Parecem um bando de vampiros sedentos, juro. Morro de vontade de enfiar bisturis nos olhos de todos eles, e isso inclui o terceiro olho também. 
- Cala a boca, Aguiar – revirei os olhos, descrente – Isso tudo é fruto da sua imaginação, tenho certeza. 
- Ah, tá – ele assentiu, sarcástico, e aproximou seus lábios de meu pescoço, depositando um selinho gostoso no local – E deixar umas boas marcas aqui também é fruto da imaginação deles, posso te garantir. 
- Você fala como se algum dia eles fossem realmente conseguir isso – sorri, envolvendo seu pescoço com meus braços e sentindo-o abraçar minha cintura e sentar-me sobre o balcão – Como se algum dia eles fossem capazes de desbancar você. 
- Não estou convencido – ele murmurou, dando uma leve mordidinha em meu pescoço e fazendo-me encolher o corpo de leve – Na verdade, nunca vou estar. 
- Além de possessivo, você é ciumento? – perguntei, já um pouco bêbada em meio a todo aquele perfume masculino que emanava de sua pele – O que mais eu preciso descobrir sobre você? 
- Que eu não meço esforços para defender minhas prioridades – Thur sorriu, fazendo com que seu hálito quente batesse em minha pele e acelerasse meus batimentos cardíacos – Ou seja, é melhor mesmo que eles fiquem bem longe de você. 
- Se eu não gostasse tanto de te ver nu, acho que seria capaz de dispensar atividades físicas entre nós só pra te ouvir falar mais dessas coisas no meu ouvido – suspirei, completamente mole em seus braços, e apertei meus dedos em seus cabelos. 
- A gente podia experimentar isso qualquer dia desses – ele disse, afastando seu rosto de meu pescoço e olhando-me bem de perto – Tipo um teste de nervos, pra ver quem aguenta mais tempo. 
- Acho que eu perderia de primeira – confessei, sem fôlego. Eu não me importava em deixar meu orgulho de lado em certos assuntos quando estava com ele. 
- Você que pensa – Thur ergueu uma sobrancelha, com um sorriso divertido – Meu autocontrole fica um pouco frágil com a sua boca perto do meu ouvido, você sabe disso. 
- Que tal você parar de usar esse tom de voz e me beijar de uma vez? – pedi, com a visão um pouco turva apenas por ouvir suas palavras e o timbre sedutor com o qual ele as pronunciava – A não ser que você esteja disposto a me segurar caso eu desmaie. 
- Você inconsciente de novo não, por favor – ele riu, e eu logo me lembrei de quando apaguei em seu carro após a festa de Kelly – Me lembrar daquela noite é torturante demais. 
- Bom, eu não me lembro daquela noite, e prefiro não pensar nisso – balancei negativamente a cabeça, erguendo as sobrancelhas temerosamente – Ficar desacordada não é algo que me agrade, ainda mais com você por perto. 
- Eu não fiz nada naquela noite, a não ser ficar preocupado com você – Thur resmungou, com um tom sério e manhoso ao mesmo tempo. Aquele assunto parecia ferir sua moral, e não era difícil compreender por quê. 
- Eu sei, eu sei – sorri, apertando suas bochechas e vendo-o fechar a cara – Mas da próxima vez é pra fazer! 
Thur jogou a cabeça pra trás, rindo de meu pedido absurdo, e ri junto, até que ele, ainda sorrindo, uniu seus lábios aos meus, iniciando um beijo carinhoso e intenso. Ri baixinho quando ele apertou meus glúteos e me puxou para mais perto de si, e dei uma mordidinha em seu lábio inferior, ouvindo sua respiração tornar-se gradativamente pesada conforme o beijo e as carícias se aprofundavam. 
Até que uma batida na porta trancada do laboratório nos interrompeu. 
Ambos arregalamos os olhos ao ouvir o som, e levamos alguns segundos para conseguir pensar no que fazer. Quem era o idiota que estava querendo entrar no laboratório vinte minutos após o término das aulas da manhã? Ninguém nunca ia até ali àquele horário. 
- Se esconde – li seus lábios pedirem, e pus-me de pé num segundo, sentindo meu corpo inteiro tremer de medo. Corri até a bancada mais distante da porta e me escondi atrás dela, sentada no chão e abraçada às minhas pernas. Meu coração estava a mil dentro do peito, e eu tentava normalizar minha respiração ofegante à medida que ouvia os passos de Thur distanciarem-se até chegarem à porta. Se alguém me visse ali, nós dois estaríamos muito ferrados. Como explicar minha presença no laboratório, trancada com Thur? 
Mica? – ouvi a voz de Thur dizer, um tanto trêmula, e foi então que meu coração parou. 
Mica. 
Minha pressão baixou instantaneamente assim que ouvi Thur pronunciar seu nome, e foi ainda mais difícil não desmaiar ao ouvir sua voz ecoar pelas paredes. 
- Cara, ainda bem que você não foi embora! – Mica suspirou, com desespero e alívio na voz, e pude ouvir seus passos adentrando o laboratório – Eu preciso muito da sua ajuda. 
- O que aconteceu? – Thur perguntou, já com um pouco mais de firmeza. Diferentemente de mim, que mal conseguia respirar, tamanho era o meu nervosismo. 
- Eu estou numa encrenca enorme – Mica disse, e eu apenas me mantive imóvel, ouvindo-o com toda a minha atenção – A Jenny quer vir morar comigo! 
Deixei meus olhos fixos no pé de um dos bancos próximos a mim, sentindo uma pontada forte em meu peito. 
Quem era Jenny? 
- A Jenny? – Thur repetiu, surpreso – Como assim, morar com você? Ela não estava trabalhando em Leeds? 
- Estava, mas eu fui visitá-la esse final de semana e ela disse que não aguenta mais viver sozinha naquela maldita cidade, que sente minha falta e todas essas idiotices de mulher – Mica bufou, parecendo muito irritado, e surrealmente diferente do Mica que eu conhecia – Ou seja, eu estou completamente ferrado, porque se ela vier morar comigo, provavelmente vou ter que casar! Quer dizer, enrolar uma mulher por três anos com um noivado à distância não é nada bom quando o pai dela é um militar aposentado que tem quase uma ogiva nuclear no quintal de casa! E se eu me casar com a Jenny, como vou fazer pra ficar com a Lua? Pior ainda, como vou esconder meu casamento dela? 
Alguns segundos de silêncio se seguiram às palavras de Mica, porém eu não consegui mais ouvir quando a voz de Thur surgiu. Suas palavras eram apenas sussurros, ruídos em meus tímpanos, absurdamente distantes de mim. A voz de Mica, tão incomum à postura que ele costumava ter, ainda gritava em minha cabeça, fazendo tudo girar ao meu redor e o chão sumir sob meu corpo. 
Mica.
Jenny.
Casar.
Noivado.
 
De repente, eu só conhecia essas quatro palavras. Num piscar de olhos, eu só sabia pensar nessas quatro simples, e ao mesmo tempo, tão complexas palavras. Num segundo, meu vocabulário se resumiu a meras quatro palavras, que mudariam minha vida por completo. Alguns segundos de pane se passaram, sem que eu conseguisse mover um músculo ou pensar em qualquer outra coisa a não ser naquelas quatro palavras. E quando elas finalmente começaram a fazer sentido, foi como se tivessem golpeado fatalmente meu coração com uma estaca. 
Mica tinha uma noiva. 
Mica tinha uma noiva chamada Jenny. 
Mica tinha uma noiva chamada Jenny e provavelmente se casaria com ela. 
Mica tinha uma noiva chamada Jenny e provavelmente se casaria com ela sem nem ao menos me contar. 
Quem era Mica afinal? Que tipo de monstro ele era? Ele realmente me amava como fazia parecer? 
Meu Deus do céu... A quem eu havia confiado meu coração durante todo aquele tempo? 
Lágrimas embaçaram minha visão por completo em questão de segundos quando me vi diante de todas aquelas afirmações e dúvidas. Levei as mãos à boca para abafar um grito de horror que parecia ter entalado no enorme nó de minha garganta, e sem que eu sequer notasse, meu rosto foi lavado pelo oceano salgado que escapava por meus olhos. Grossas e pesadas gotas de minha dor líquida misturavam-se silenciosamente ao fluxo de água que já corria por minhas bochechas, enquanto eu aos poucos compreendia o que havia acabado de descobrir. 
Enquanto eu o considerava minha prioridade... Para Mica, eu sempre fui e sempre seria a outra. 
- Desculpa ter aparecido assim do nada, mas é que eu realmente tô desesperado – a voz de Mica voltou a falar, após o que me pareceram longos minutos de silêncio, mas que na verdade só haviam sido mudos em minha percepção – A gente se fala mais amanhã, e por favor, pensa em alguma coisa que possa me ajudar, eu imploro! 
- Pode deixar, cara, e vê se fica calmo – Thur disse num tom convincentemente tranqüilo, provavelmente após uma boa desculpa para dispensar o amigo – Amanhã eu falo contigo. 
Os passos de Mica ficaram cada vez mais distantes, até que a porta se fechou e eu ouvi a chave girar na fechadura. Meus olhos encharcados ainda mantinham-se fixos no mesmo banco, arregalados e vazios, e as lágrimas ainda escorriam por eles sem controle, quando Thur preencheu o espaço antes vazio de minha visão periférica. Mesmo sem olhá-lo, pude perceber seu susto e hesitação ao me ver naquele estado de choque, e sua voz não demorou a me chamar num tom preocupado. 
Lu? 
Levei alguns segundos para conseguir reagir, e quando finalmente o torpor parecia estar se esvaindo lentamente de meu corpo, fui capaz de desviar meu olhar estarrecido até o dele. E bastou que os olhos de Thur entrassem em foco para que eu simplesmente desabasse. 
Lua, o que aconteceu? – ele perguntou, assustado, chegando até mim em passos largos e agachando-se à minha frente. Ele tomou minhas mãos fracas nas suas, enquanto eu apenas deixava o choro escapar por meus olhos e os soluços que eu até então prendia fugirem por minha garganta. A dor era tão intensa e se alastrava tão rapidamente por meu corpo que este se contraiu por inteiro, tentando lutar contra aquele sentimento pavoroso que o dominava. Senti os braços de Thur me envolverem, puxando-me para mais perto de si, porém eu não fui capaz de retribuir seu abraço; sua voz sussurrava palavras que soaram ininteligíveis aos meus ouvidos, e eu simplesmente não conseguia encontrar minha voz para respondê-lo. Por um tempo que fui incapaz de calcular, permaneci inerte, sem sequer me preocupar com fatores básicos como respirar. As lágrimas continuavam a cair, mas todo o resto parecia estar retesado, imobilizado. 
- Por favor, me responde – Thur pediu baixinho, aflito, e afastou-se de mim para poder examinar meu rosto lavado de lágrimas. Seus olhos demonstravam todo o pânico e dor que meu estado lhe transmitia, e a tortura neles doeu em mim. 
Thur... – murmurei apenas, agarrando seu jaleco, puxando-o para perto de mim novamente e afundando-me em seu abraço. 
- Eu estou aqui, está tudo bem – ele sussurrou, apertando-me com força contra si – Ele já foi embora, não desconfiou de nada... 
Um soluço dolorido escapou por entre meus lábios e meus olhos se fecharam fortemente à menção de Mica, assim como meu corpo se encolheu subitamente. Obviamente, Thur percebeu minha reação, e após alguns segundos em silêncio, finalmente deduziu o motivo de meu comportamento destruído. 
- Você não sabia sobre a Jenny. 
Senti o choro intensificar-se, e balancei negativamente minha cabeça sobre seu ombro. Thur levou alguns segundos para voltar a falar, completamente desnorteado diante de sua descoberta. 
- Meu Deus... – ele murmurou, chocado, e eu apertei ainda mais meus braços ao redor de seu pescoço, sentindo-o puxar-me para seu colo – Ele nunca te contou? 
Repeti meu gesto com a cabeça, deixando que minhas lágrimas inundassem o tecido de seu jaleco, e novamente ficamos em silêncio por alguns segundos, sem saber o que falar. 
- Por que você nunca me contou? – perguntei baixinho, reunindo o pouco de oxigênio que existia em meus pulmões, porém sem agressividade ou mágoa. Não era obrigação dele me dizer nada a respeito do noivado de Mica. 
- Eu sempre achei que ele tivesse te contado – ele respondeu, com a voz nitidamente desorientada – E que você tivesse aceitado ser sua amante. 
Levei alguns segundos para me recuperar do emprego da palavra amante para me definir, e respirei fundo antes de continuar. 
- Não... Ele nunca me disse nada. 
- Me desculpa, Lu – ele pediu, afastando-se novamente de mim para poder me olhar, e suas mãos seguraram gentilmente meu rosto, erguendo-o até o dele – Eu não sabia que ele estava te enganando desse jeito. Eu devia ter te contado, eu já devia saber que você não aceitaria uma condição dessas... Nossa, aquele filho da puta vai sofrer na minha mão, você vai ver, eu não vou deixar as coisas ficarem assim, mas não mesmo... 
- Pelo amor de Deus, Thur, você não vai fazer nada – o interrompi, assustada ao ver a fúria crescer nos olhos dele – Não vamos nos precipitar. 
- Ele não pode sair ileso, Lua, eu não vou permitir uma coisa dessas! – Thur exclamou, franzindo a testa com a expressão nitidamente enraivecida – Olha o que ele fez com você! Ele mentiu desde o começo! 
- Eu vou terminar tudo com ele amanhã mesmo – solucei, sentindo a surpresa lentamente ceder cada vez mais lugar à dor e à revolta dentro de mim – Você não vai precisar sujar suas mãos por minhas causa. 
- Eu não sei se tenho todo esse sangue frio – ele respirou fundo, com os olhos coléricos disfarçados sob uma fina camada de autocontrole, e logo em seguida os fechou – Me dá nojo só de te imaginar perto dele outra vez. 
- Ninguém quer mais distância dele do que eu, acredite – falei, cobrindo meu rosto com as mãos ao sentir o choro voltar a se intensificar – Mas eu não posso simplesmente fingir que ele não existe mais... Não sem antes desfazer nosso compromisso. 
Thur não disse nada por alguns segundos, apertando seu abraço em minha cintura e beijando a curva de meu pescoço. Fechei meus olhos com força, tentando conter minhas lágrimas, e pude ouvi-lo sussurrar determinadamente contra minha pele: 
– Ele vai ter o que merece... Pode apostar. 
- Eu quero ir pra casa – foi tudo que consegui murmurar, sentindo meu choro se intensificar novamente, e precisando apenas do meu quarto e de meu recanto de paz particular. Eu já estava sofrendo o suficiente, não queria fazê-lo sofrer comigo, muito menos desperdiçar seu tempo chorando em seu ombro. 
- Eu te levo – ele se prontificou, levantando-se comigo em seu colo agilmente – Não vou te deixar ir a pé sozinha nesse estado. 
- Não... As pessoas vão nos ver – soprei, com o rosto na curva de seu pescoço, já sentindo meu peito doer de tanto chorar. 
- Foda-se – ele disse tremulamente, passando por sua mesa para pegar sua mochila, e num segundo estávamos a dois passos da porta do laboratório. 
- Me põe no chão pelo menos – relutei, afastando meu rosto de seu pescoço com um fungado baixo – Eu estou bem, de verdade. 
Thur atendeu ao meu pedido após alguns segundos de ponderação, colocando-me de pé com cuidado, porém manteve suas mãos em meus cotovelos, apoiando-me caso eu tivesse uma tontura. 
- É claro que você não está bem, tem certeza de que quer andar? – ele perguntou, escorregando uma de suas mãos até encontrar a minha, e eu assenti devagar – Podemos fingir que você torceu o tornozelo ou algo do tipo e eu te carrego até o carro. 
Não consegui responder, sentindo seu amparo me reconfortar minimamente; se não estivesse tão destruída por dentro, o teria agradecido, porém tudo que consegui fazer foi negar sua proposta com um leve aceno de cabeça, fazendo uma lágrima escorrer pelo canto de meu olho. Thur me olhou com profunda preocupação, e segurou gentilmente meu rosto com uma de suas mãos, levando seus lábios até a gota salgada e enxugando-a rapidamente. Não foi preciso dizer nada; eu sabia que ele estava comigo, e seus olhos já me diziam que ele me amava de uma maneira muito mais intensa e verdadeira que palavras seriam capazes de expressar. 
Ele destrancou a porta do laboratório, entrelaçando nossos dedos e apertando-os com firmeza, e eu respirei fundo antes de sair, enxugando meu rosto com a mão livre e me concentrando para conter o fluxo de lágrimas por alguns minutos, o que me parecia absurdamente impossível. Thur me deu passagem para sair primeiro, após uma breve olhada no corredor vazio, e eu, temendo desmontar sobre minhas pernas trêmulas, deixei o laboratório, olhando para meus próprios pés enquanto ele trancava a sala da qual havíamos acabado de sair. Conforme o barulho das chaves colidindo no molho ecoava pelo corredor, tive a impressão de que o ruído estava sendo acompanhado por outro som vindo dos degraus, que meus ouvidos não tiveram rapidez suficiente para reconhecer a tempo. 
Porém, quando eu finalmente entendi o que ele significava, já era tarde demais. 
Minha cabeça rapidamente virou-se na direção do som de sapatos se chocando contra os degraus, assim como a de Thur, e uma fração de segundo depois, um par de olhos Pretos retribuiu nossos olhares assustados. Com o mesmo choque com o qual o encarávamos. 
Foi como se o chão tivesse simplesmente sumido em um piscar de olhos. 
Bem à nossa frente, a cinco passos de distância, Mica nos encarava com a expressão surpresa. 


Créditos: Fanfic Obsession.

0 comentários:

Postar um comentário

 
Ouro Branco Blog Design by Ipietoon