Web Biology - Capitulo 34




Respirei fundo pela enésima vez, fechando meus olhos por alguns segundos. Apesar da leve brisa que entrava pela janela conforme Thur virava na rua de Mica, eu estava me sentindo um tanto sufocada dentro de seu Porsche, e ele obviamente estava notando isso. Eu só não estava sendo bombardeada com palavras de conforto ou algo parecido porque ele estava ainda mais nervoso para sequer abrir a boca. 
- Eu vou com você – ele disse num tom autoritário, enquanto estacionava na frente do prédio. Revirei os olhos. Era a quinta vez que eu teria que lhe explicar por que aquilo simplesmente não poderia acontecer. 
- Eu entendo que você esteja preocupado, mas... Nem pensar – falei, com a voz calma, e o vi bufar em desaprovação – A única coisa que vai acontecer se você for comigo é uma briga. E não foi pra isso que eu vim. 
- Que pena – Thur sorriu, cínico, e eu lhe lancei um olhar de censura – Desculpa, você sabe que eu não sei ser diplomático. 
- E assim como eu, você sabe que um punho no fundo da garganta dele não vai resolver nosso problema – lembrei, cerrando meus olhos e vendo-o finalmente me olhar após desligar o carro – Por esse motivo, você fica aqui embaixo. 
Thur sustentou meu olhar por alguns segundos, e depois desviou o seu, demonstrando seu descontentamento com aquela situação. Ele segurou minha mão, apertando meus dedos com certa força, e eu suspirei, com o coração um tanto acelerado. Meu Deus, ele estava me deixando ainda mais nervosa com aquela agonia toda. 
- É pra tomar cuidado, ouviu? – ele murmurou, ranzinza, fitando nossas mãos com seriedade – E não demore, senão eu... 
Aguiar, chega – o interrompi, vendo-o voltar a me encarar com os olhos surpresos e franzir levemente a testa, a cada segundo mais inquieto – Você já repetiu esse discurso pelo menos umas cinco vezes! Vai dar tudo certo, pense positivo junto comigo, pode ser? 
Thur suspirou profundamente, e eu coloquei minha outra mão sobre a dele, baixando meu olhar até elas. Por um instante, a pequena cicatriz que eu havia deixado em seu braço há alguns meses prendeu minha atenção. Já havíamos passado por tanta coisa... Nunca pensei que viveria um momento como aquele. 
- Desculpe, eu sei que estou sendo chato... Mas é que eu não estou gostando nada disso – Thur suspirou, e eu levei uma de minhas mãos até seu ombro, massageando-o e sentindo seus músculos rígidos ali – E não estou tendo sucesso nenhum em tentar disfarçar. 
- Confie em mim – pedi, olhando-o com uma convicção que eu fingia ter – Vai ficar tudo bem. 
Ele me encarou por alguns segundos, em dúvida, mas logo assentiu, mesmo que contra sua própria vontade. Ele sabia que não adiantaria tentar me convencer a voltar para casa sem falar com Mica. Acariciei levemente seu rosto, sorrindo para ele, e deixei que ele se aproximasse o suficiente para tocar meus lábios com os seus. 
- Tá bom, eu te deixo ir agora... Mas vai logo, antes que eu me arrependa – Thur sussurrou após alguns minutos, afastando seu rosto do meu com a expressão extremamente contida a ponto de parecer vazia aos olhos de alguém menos íntimo - E volte logo. 
- Eu vou voltar – falei, abrindo a porta e saindo do carro – Fique calmo, professor. 
- Impossível – ele negou, encostando a testa no volante, e eu respirei fundo antes de caminhar até a portaria do prédio. 

- O sr. Borges já a está aguardando – Andy disse, com sua típica voz cordial, assim que cheguei à portaria. Engoli em seco, sabendo que aquela era a última vez em que eu entraria naquele edifício, se tudo fluísse de acordo com meus planos. Disfarcei o turbilhão de pensamentos que colidiam dentro de minha cabeça e assenti com um sorrisinho tenso, dirigindo-me à escadaria. Subi os degraus devagar, tentando imaginar como ele agiria (e eu também) quando chegasse ao meu destino, e somente quando parei à porta de seu apartamento foi que todas as especulações enfim sumiram de minha mente, dando total lugar à insegurança. 
Ouvi passos cada vez mais próximos do outro lado da porta. Ele estava vindo me receber. 
Num ato instintivo, quase dei meia volta e saí correndo. Mas, ao contrário do que meus instintos ordenavam, respirei fundo mais uma vez e aguardei até que a maçaneta girasse e a porta se abrisse. 
O silêncio que se instalara em meus ouvidos assim que nossos olhares se encontraram me fez pensar por um momento que minha cabeça explodiria. 
- Você veio – Mica murmurou, com a voz fria, e eu senti um arrepio percorrer meu corpo inteiro. Quem era aquele homem que eu um dia pensei conhecer? Definitivamente, esse não era o mesmo. 
- Por que não viria? – perguntei, tentando parecer um pouco mais firme do que realmente estava, e ele ergueu as sobrancelhas rapidamente, ponderando minha indagação. Não gostei nem um pouco daquilo. 
Sem dizer mais nada, ele deu espaço para que eu entrasse em seu apartamento, e eu o fiz, parando a poucos passos da porta e virando-me em sua direção. Nos poucos segundos que tive para olhar ao meu redor, tudo que vi foram os móveis, desprovidos de qualquer decoração, e várias caixas empilhadas por toda a sala, o que para mim só significava uma coisa. 
Mudança. 
- Como você pode ver, eu ainda tenho muito o que fazer por aqui – ele disse, lançando um rápido olhar para as caixas e logo depois me encarando – Então pretendo terminar logo com essa conversa. 
- Que bom que concordamos nesse ponto – assenti, sustentando seu olhar sem um mínimo sinal de fraqueza – Quanto mais rápido resolvermos nossas pendências, melhor para todos. 
- Ele te trouxe aqui? – Mica perguntou, e o vazio de emoções em seu rosto ao mencionar Thur me impressionou – Está te esperando lá fora? 
- Isso não importa – respondi, um tanto incomodada com sua curiosidade mórbida – O que realmente importa agora é que eu quero terminar essa conversa de uma forma pacífica. 
- Pacífica? – ele repetiu, num risinho medíocre, e eu não demonstrei emoção alguma – Depois de tudo que aconteceu, você ainda espera que eu seja pacífico? 
- Se eu estou sendo pacífica, por que você não pode ser? – falei calmamente, encarando-o com firmeza e vendo sua hostilidade fraquejar – Nós dois estamos manchados nessa história, Mica. Não banque o bonzinho, você não vai conseguir nada com isso. 
- Você não entende – ele murmurou, balançando negativamente a cabeça de uma maneira um tanto perturbada, e pude vê-lo lacrimejar – Você nunca vai entender. Ele te cegou... Te envenenou contra mim. 
- Não seja ridículo – rosnei, vendo-o respirar fundo e me fitar com os olhos vidrados, denunciando que lentamente ele ia perdendo o controle sobre si – Eu não vim aqui para ouvir seus motivos, porque pelo que estou vendo, você também não quer ouvir os meus. Explicações não vão mudar os fatos, pelo menos não para mim. E isso basta pra que resolvamos logo essa situação e sigamos com nossas vidas. 
- Há quanto tempo? – Mica indagou, dando um passo em minha direção, e pela expressão ressentida em seu rosto, pude ver que ele não havia entendido uma palavra do que eu havia acabado de dizer – Há quanto tempo vocês dois estão juntos? 
Suspirei profundamente, encarando-o sem uma postura muito bem definida, e alguns segundos depois ele repetiu sua pergunta, num tom um pouco mais enérgico. 
- Há quanto tempo, Lua? 
- Desde o acidente de carro – respondi, fechando meus olhos por um momento, assustada com sua voz exaltada – Uns dois meses. 
Encarei o chão por alguns segundos, ouvindo apenas a respiração pesada de Mica, mas logo ergui meu olhar até o dele. Seu rosto estava paralisado, em choque diante de minha resposta; seus olhos estavam arregalados, suas sobrancelhas franzidas e seus lábios entreabertos. Ele deu mais um passo na minha direção, respirando fundo, e eu não consegui esconder o pânico em minha expressão ao vê-lo erguer sua mão como se fosse me dar um tapa, porém não realizando nenhum movimento. Seus dedos se fecharam, formando um punho, e ele contraiu seus lábios, tremendo levemente e me encarando com os olhos úmidos e cheios de ódio. 
Pela primeira vez na vida, eu senti um olhar verdadeiramente assassino sobre mim. Ele queria me matar, e o faria se tivesse coragem suficiente. Felizmente, ou não, ele não tinha. 
- Por que você fez isso comigo? – ele disse com a voz embargada, abaixando seu punho e inundando seu olhar com mágoa – O que... O que eu fiz de errado? 
- Eu não queria fazer, eu juro... – suspirei, sentindo-me um pouco mais aliviada ao ver a cólera agora controlada em seus olhos, porém a mágoa neles fazia uma enorme culpa formigar sob minha pele e influenciar meu tom de voz – Mas foi inevitável. 
- Você acha que isso me convence? – ele explodiu, enraivecido, e se afastou um pouco de mim, passando as mãos compulsivamente pelos cabelos – Eu posso ter sido idiota o suficiente pra não perceber que estava sendo traído, mas eu não vou mais admitir que você pise em mim! 
- E você? Não pisou em mim também? – rebati, irritada com sua atitude mesquinha – Acha que pode me fazer de amante sem que eu sequer soubesse da existência de sua noiva desde o começo e simplesmente sair ileso, se fazendo de bom moço ainda por cima? 
- Eu fiz isso porque te amo! Eu fui burro o bastante pra me apaixonar por você! – Mica gritou, e agora as lágrimas rolavam por seu rosto enfurecido conforme ele voltava a se aproximar de mim – Eu já devia saber que você não vale porra nenhuma e não passa de uma vadiazinha que botaria um belo chifre na minha cabeça assim que tivesse a chance! 
- Chega! – exclamei, e sem sequer conseguir pensar, atingi seu rosto com um tapa, usando toda a força que pude reunir – Eu não vim aqui pra te diminuir, e não admito que você faça isso comigo! 
Mica levou uma mão à parte atingida de seu rosto, pego de surpresa com minha agressão, e sem nem hesitar, devolveu o tapa com toda a sua força, fazendo-me cambalear para o lado, totalmente desnorteada e com muita dor. Levei minhas mãos à cabeça, fechando os olhos e sentindo tudo girar ao meu redor, e novamente o gosto de sangue surgiu em minha boca. 
- Eu te diminuo sim – ele cuspiu, com a voz carregada de desdém, e aos poucos meus olhos foram se enchendo de lágrimas - Você não vale o chão que pisa, garota... Maldito foi o dia em que eu te deixei entrar na minha vida. 
Respirei fundo, tentando organizar minha mente, mas minha cabeça doía tanto que eu mal conseguia abrir os olhos. Parecia que ele havia rachado meu crânio ou algo do tipo, pra ser bastante honesta. Mesmo assim, fiz um esforço, e por mais que minha voz tenha saído baixa, ele pôde me ouvir. 
- Vá pro inferno. 
- Eu vou... Pode ter certeza disso – ele murmurou, e sua respiração bateu em meu ouvido, mas por mais que eu sentisse medo, tudo estava girando demais ao meu redor para que eu pudesse me afastar – Mas vou arrastar vocês dois comigo. 
- Me deixe em paz – pedi, apoiando-me no sofá ao meu lado ao sentir minha cabeça pulsar, e ele soltou um risinho debochado. 
- Não posso fazer isso... Tenho uma promessa a cumprir – Mica rosnou ao pé de meu ouvido, apertando meu braço com tanta força que seus dedos interromperam minha circulação e fazendo um gemido baixo escapar de minha garganta – Já se esqueceu dela? 
Assim que ouvi suas palavras, foi como se eu tivesse sido arrancada dali. Eu não estava mais no apartamento de Mica, minha cabeça não doía, nem sua mão machucava meu braço. Uma brisa suave brincava com meus cabelos, e um cheiro de mar adentrava minhas narinas, assim como um magnífico pôr-do-sol era tudo o que eu via diante de mim. 
A promessa... Eu me lembrava bem dela. Tão bem que nem me assustei ao ouvir minha própria voz, junto com a dele, ecoar em minha mente. 

- Se eu te pedir uma coisa... Promete que vai fazer?
- O que você quiser.
- Por favor, 
prometa que vai fazer.
- Prometo... Não confia em mim?
- Então me prometa só mais uma coisa... Se um dia eu te machucar... Prometa que vai fazer pior comigo.
- Como assim, Lu? Como você poderia me machucar?
- Eu só quero que você me dê a certeza de que vou me arrepender amargamente do dia em que te fizer sofrer... Quero que prometa que não vai me deixar em paz sem me punir por uma injustiça dessas.
 

Abri meus olhos, sentindo grossas lágrimas escaparem por eles, e o chão do apartamento de Mica surgiu em minha visão. A brisa subitamente parou, e o cheiro do mar sumiu de imediato. Porém, as vozes em minha cabeça continuaram a reproduzir minha memória, como se alguém a estivesse sussurrando em meu ouvido. 

- Você não me faria sofrer... Faria? 

- Eu me lembro... – soprei, lutando contra o som das ondas do mar quebrando próximas à costa. O conflito entre a realidade e a lembrança estava me atordoando demais para que eu conseguisse dizer algo mais. 
- Ótimo... Melhor não se esquecer dela tão cedo – ele sussurrou, fitando meu rosto desolado antes de me soltar – Caso contrário... Vai ser um prazer refrescar a sua memória. 
Por alguns segundos, tudo que fui capaz de fazer foi encarar o chão, paralisada, até conseguir levar minhas mãos trêmulas ao rosto, cobrindo minhas lágrimas conforme eu corria desesperadamente até a saída do apartamento. Mica não tentou me impedir, e sem nem ver o que estava fazendo, girei a maçaneta e abri a porta, mas quando fiz menção de correr, meu corpo colidiu contra o de alguém do lado de fora. Antes mesmo que eu pudesse reconhecer a pessoa, seus braços me envolveram e sua voz alarmada perguntou: 
- O que aconteceu? 
Thur... – soprei, agarrando sua camiseta e afundando-me em seu peito. Eu não tive forças para dizer nada; estava tão nervosa e com tanta dor que mal conseguia pensar direito. 
- Olá, Aguiar – ouvi a voz de Mica cumprimentar, transbordando uma falsa simpatia. O leve sadismo em seu tom me fez encolher meu corpo. 
- Vamos embora – Thur me disse, após alguns segundos em silêncio, e me virou sutilmente na direção das escadas. 
- A conversa ainda não terminou – Mica impôs, voltando à sua postura agressiva, porém não foi necessário muito tempo para que ele recebesse uma resposta à altura. 
- Estou pouco me fodendo para o que você acha – Thur rosnou, pronunciando cada palavra com todo o seu desprezo e ódio - Pra mim, ela não deveria nem ter começado. 
Mica pareceu intimidado demais para retrucar, e nós não o demos tempo para isso, pois em poucos segundos já estávamos descendo os degraus rumo à saída. 

- Nunca. 

- Mas o que... – Andy disse, levantando-se assim que nos viu, e eu imaginei que Thur não deveria ter sido muito diplomático há alguns minutos, quando entrou. 
- Não enche – Thur o interrompeu, caminhando em passos largos até a rua e quase me carregando pelo caminho, pois minhas pernas insistiam em fraquejar – Lu, eu preciso que você fique acordada, está bem? 
Meus olhos se fecharam sozinhos assim que tudo ao meu redor girou mais uma vez, me causando um certo embrulho no estômago. Eu me sentia numa montanha-russa após um farto almoço. Engoli em seco, sentindo minha cabeça latejar, e me deixei conduzir até o carro. Seria possível que Mica tivesse conseguido me afetar tanto com aquele tapa ou tudo era apenas efeito psicológico causado por meu nervosismo? 
- Casa... – balbuciei assim que ele me sentou e me ajudou com meu cinto de segurança, apertando seu pulso de leve para que ele prestasse atenção no que eu queria dizer – Eu... Vai me levar... Você vai... 
- Claro que não, Lua, eu vou te levar pra um hospital – Thur respondeu, categórico – Você não está conseguindo nem formar frases! 
- Não, eu... Quero ir pra casa – insisti, respirando fundo e conseguindo pensar com mais clareza – Eu só fiquei nervosa demais... 
- Pode ser algo sério – ele resistiu, preocupado, mas eu não o deixei vencer. 
- Eu só estou um pouco atordoada, não se preocupe... Só preciso ir para casa me acalmar – falei, dessa vez com mais firmeza, já me dando conta de que o perigo estava longe outra vez - Por favor, é só o que eu peço.
Apesar de a dor em minha cabeça ter pulsado logo após minhas palavras, pareceu funcionar. Thur sustentou meu olhar por alguns segundos, indeciso, e fechou a porta, entrando pelo lado do motorista sem demora. 
- Só não durma – ele disse, ligando o carro e respirando fundo antes de acelerar. Assenti levemente, repousando minha cabeça no encosto do banco, e fechei os olhos para aliviar a dor. 
Dois segundos depois, um alívio imenso inundou minha mente, fazendo com que o barulho do motor do carro sumisse e eu apagasse. 

- Eu disse pra não dormir, sua... Coisa teimosa. 
Abri os olhos, sentindo minha cabeça e pálpebras pesadas. Pisquei algumas vezes para focalizar o borrão azul e branco à minha frente, e fixei meu olhar no de Thur assim que consegui definir onde seus olhos estavam. 
- Me desculpe – murmurei, e pigarreei ao ouvir minha voz completamente rouca. Olhei ao meu redor, reconhecendo meu quarto, e só então me dei conta de que estava deitada em minha cama, comThur sentado ao meu lado. 
- Como você está? – ele perguntou, enquanto eu me sentava devagar e levava as mãos à cabeça, massageando-a – Doendo muito ainda? 
- Não... Quase nada – menti, dando um sorrisinho que não deve ter sido muito convincente e sentindo a dor aumentar a cada vez que piscava – Nada que um analgésico não resolva. 
Thur soltou um suspiro discreto, me olhando com intensidade, e eu insisti no sorriso. Não deu certo. 
- O que aconteceu naquele apartamento, Lua? – ele indagou, com a voz preocupada – O que ele fez? 
Respirei fundo, abandonando o falso sorriso e desviando meu olhar do dele para pensar um pouco. Por que eu deveria mentir ou omitir algo? Eu estava cansada disso, e sabia que não precisava me preocupar quanto a ser sincera com ele. 
- Ofensas, ameaças... Até aí, nada que eu já não esperasse – respondi, um tanto hesitante, e voltei a olhá-lo – Mas eu acabei perdendo a cabeça e dei um tapa nele. 
- E ele revidou – Thur deduziu, franzindo a testa e cerrando os olhos em indignação – Que belo merda ele é. Eu ainda vou acabar com esse put... 
- Ele vai se mudar, me parece – o interrompi, tentando não trazer de volta à minha mente aquela cena horrível – Não consegui perguntar para onde, mas tenho um palpite. 
- Leeds – ele disse, e eu assenti – Espero que ele se mude amanhã mesmo, e fique pra sempre... Bem, com a outra lá. 
Fingi concordar com suas palavras, mas a maldita promessa me atingiu em cheio. Mesmo que não conseguisse nos causar nenhum dano, o que não me parecia muito provável, Mica ainda faria o que estivesse ao seu alcance para nos prejudicar. 
E eu tinha uma certa noção de por onde ele começaria. 
- Que horas são? – perguntei, um tanto assustada, e olhei para o relógio no criado-mudo – Sete e quarenta e dois! Minha mãe vai chegar daqui a pouco! 
- Eu sei, já estou indo embora – Thur me acalmou, ainda reflexivo diante do que eu havia dito sobre minha conversa com Mica – Você vai contar tudo a ela hoje? 
Fechei meus olhos, esfregando meu rosto com as mãos e tentando não ficar nervosa diante do que ainda tinha que fazer. Eu não podia mais perder tempo. Se antes mesmo de todos os acontecimentos daquela tarde eu já tinha certeza de que Mica agiria rápido, agora eu já estava preparada para que o dia seguinte fosse a confirmação de minha teoria. 
- Não antes de um analgésico... Mas eu tenho que contar – assenti, com os olhos baixos e o coração apertado. Algo me dizia que eu ainda levaria outro tapa naquele dia. 
- Aconteça o que acontecer, me ligue assim que puder, está bem? – Thur murmurou, segurando minhas mãos e notando meu nervosismo – Caso aconteça algo drástico, eu venho te buscar e te levo pro meu apartamento. 
Concordei, erguendo meu olhar até o dele, e o vi dar um sorriso fraco, porém sincero. 
- Obrigada – sussurrei, e ele levou uma mão até meu rosto, acariciando minha bochecha. 
- Acho que agora é minha vez de dizer... – ele falou, soltando um risinho baixo – Vai ficar tudo bem. 
Sorri, achando graça de sua brincadeira, e só então percebi que ele estava um tanto distante de mim. Ou talvez eu estivesse com tanto medo de tudo que não aceitaria menos que tê-lo colado a mim para ter certeza de que tudo ficaria mesmo bem. 
- Você pode me dar um abraço? – pedi, com a voz involuntariamente manhosa – Acho que estou precisando. 
Thur me lançou um olhar quase torturado, dando um sorriso derretido que eu nunca havia visto antes, e num segundo, seus braços envolveram minha cintura com força. Sorri junto, abraçando-o pelo pescoço e embrenhando meus dedos em seus cabelos. Inspirei seu perfume, sentindo-o fazer o mesmo, e o apertei contra mim, com o coração batendo muito forte. Todos os meus problemas pareceram simplesmente evaporar quando senti sua respiração bater em minha pele; naquele momento, foi como se só existisse ele em todo o universo, e só o que importasse fosse mantê-lo em meus braços. O resto parecia supérfluo demais para ser sequer lembrado. 
- Como eu sou malvado, não? – ele murmurou após alguns segundos, me dando um beijo no pescoço, e eu ri baixinho, arrepiada – Mal consegui você só pra mim e já estou te fazendo passar vontade... 
- Seu bobo – resmunguei, afastando-me apenas para que pudesse encará-lo bem de perto, e lhe dei um beijo de esquimó – Quem é o malvadinho? 
- Olha, eu ainda sou seu professor e exijo um pouco mais de respeito, pode ser? – ele riu, cerrando os olhos para mim, e apesar de minha atitude idiota, notei que ele havia ficado mais envergonhado do que eu – Se for pra me chamar de alguma coisa, que seja no aumentativo. 
- Ok então... Quem é o malvadão? – reformulei a pergunta, fazendo uma voz grossa e fechando a cara para parecer barra pesada – Melhorou? 
- Sua ridícula! – ele exclamou, revirando os olhos e caindo na gargalhada junto comigo – Que bom que eu gosto demais de você e sou capaz de sobreviver a momentos como esse. 
- Ah, que ótimo, eu ia mesmo conferir isso! – falei, rindo mais um pouco, e quando as gargalhadas cessaram, ele fez o que eu tanto queria. Suas mãos escorregaram por minha cintura enquanto nossos lábios se tocavam, e eu abri os meus, dando-lhe permissão para aprofundar o beijo. Agarrei seus cabelos com força, me sentindo como se não o beijasse há muito tempo, e aos poucos desci minhas mãos por seu pescoço e ombros, revertendo totalmente meu favoritismo por sua camiseta pólo e odiando-a por cobrir seu corpo. 
Lu... Eu acho que estou me empolgando – Thur soprou após alguns minutos, e só então me dei conta de que estava deitada novamente, com seu tronco sobre o meu – E isso não é muito conveniente agora. 
Sorri, mordendo seu lábio inferior enquanto desabotoava os dois únicos botões de sua camiseta, apenas por puro charme. 
- Ah... Só porque minha dor de cabeça estava passando – lamentei, dando-lhe um selinho e quase rindo ao vê-lo todo desgrenhado quando voltamos a nos sentar – Mas você tem razão. Não é nem um pouco conveniente agora. 
- Além do mais, sua cama não agüentaria nem uma rapidinha – ele observou, ajeitando a camiseta e o cabelo com rapidez – Teríamos que procurar algum outro lugar, o que seria ainda menos conveniente. 
- Por que você acha que a pia do banheiro é grande? – pisquei, vendo-o abrir a boca em surpresa, e logo depois dei risada – Brincadeira! 
- Não deixa de ser uma idéia a considerarmos – Thur sorriu, extremamente malicioso, e eu ergui as sobrancelhas, sorrindo junto logo depois – Fiquei tentado agora, Blanco. 
- Infelizmente, hoje você vai ter que se contentar com pornografia – falei, com a expressão levemente triste – Enquanto eu sou expulsa de casa, você pode assistir a alguns vídeos de lésbicas se beijando ou mulheres fazendo sexo com cavalos. 
- Acredite, eu não curto zoofilia – ele cerrou os olhos, enojado – Eu até experimentei pegando a Smithers, mas... Eca. 
- Cretino! – falei, dando um soquinho em seu peito enquanto gargalhava, e ele deu um risinho maldoso. 
- Vem comigo até a porta? – Thur perguntou, levantando-se e estendendo os braços para que eu fosse em seu colo. Sem pensar duas vezes, concordei com a idéia. 
- Me sinto um bebê quando você me carrega assim – comentei, balançando minhas pernas, uma de cada lado de sua cintura, enquanto enroscava as mechas de cabelo de sua nuca em meus dedos e me deixava levar pelo corredor. 
- Mas você é um bebê – ele disse, descendo as escadas com cuidado – Que quando quer, consegue ser um baita mulherão. 
- Culpa sua, malvadão – brinquei, engrossando a voz outra vez, e ele soltou um risinho divertido, chegando à porta e me pondo no chão. 
- Falando sério agora – Thur murmurou, me lançando um olhar preocupado – Boa sorte com a sua mãe, toda a sorte do mundo... Vou ficar morrendo de ansiedade em casa, checando o celular de cinco em cinco segundos esperando você ligar. Vai dar tudo certo, vamos pensar assim, está bem? 
- Tomara mesmo – suspirei, sentindo-o envolver minhas mãos com as suas e apertando seus dedos – Obrigada. 
- Se precisar de mim, não hesite em me ligar, ouviu? – ele reforçou, e eu assenti, recebendo um apertão carinhoso no nariz – Se cuida, bebê. 
Cerrei meus olhos para ele ao ouvir o apelido, e recebi um sorriso discreto como resposta. 
- Vou perdoar só por causa do malvadão – falei, vendo-o revirar os olhos – E porque eu te amo também, claro, mas isso é só um detalhe. 
- Ah, sim, eu também já ia me esquecer de dizer que te amo – Thur concordou, balançando negativamente a cabeça – Eu te amo, viu? Mas é só um pouquinho, besteirinha mesmo. 
- É, nada de mais – dei de ombros, vendo-o prender o riso, e dois segundos depois, me puxar pela cintura para mais um beijo. 
- Eu te amo demais, garota – ele resmungou, afastando nossos lábios após apenas alguns calorosos e intensos segundos - Só pra esclarecer qualquer dúvida. 
- Isso vai soar prepotente, mas eu não tenho nenhuma – sorri, olhando-o com determinação, e ele sorriu de volta – Espero que você não tenha dúvidas de que é recíproco. 
- Bom, eu não sei como isso vai soar, mas você tem se saído bem em sanar todas elas – Thur murmurou, piscando e me dando um selinho rápido antes de nos afastarmos – Vou deixar pra dar boa noite por telefone, quando você me ligar contando que sua mãe mal espera para conhecer seu genro querido e másculo. 
- Seu otimismo e humildade me deslumbram – dei risada, abrindo a porta para que ele passasse e dando-lhe um tapinha na bunda ao vê-lo sair – Até mais. 
Fiquei observando-o entrar no carro e rapidamente ir embora, e fechei a porta. Um sorrisinho idiota estava estampado em meu rosto, mas bastaram alguns segundos para que ele se esvaísse e a preocupação tomasse seu lugar. Me sentei no sofá, fitando minhas próprias mãos, e comecei a formular meu discurso. A dor de cabeça ainda se fazia presente, mas nem se comparava ao tamanho de minha preocupação e medo diante de meu próximo desafio. 
Nenhuma das dificuldades e obstáculos pelos quais eu havia passado e ainda teria de passar me pareciam piores que a reação de minha mãe. 

Estava em alguma outra dimensão, alienada demais com os milhares de pensamentos em minha mente para ter noção do tempo, quando ouvi a maçaneta da porta girar. Meu coração pareceu parar por um momento, congelado de nervoso. 
- Boa sorte – sussurrei para mim mesma, respirando fundo e ficando de pé a tempo de ver mamãe entrar. Era agora ou nunca. 
- Oi, filha! – ela sorriu, trancando a porta por dentro – Você parece melhor... Como foi a sua tarde? 
Sinceramente? 
- Já tive melhores – respondi, sendo honesta de certa forma, sem conseguir retribuir o sorriso. Notando meu jeito estranho, mamãe parou a alguns passos de mim, me olhando com um pouco de receio.
- O que houve? – ela perguntou, colocando sua bolsa no sofá – Que carinha é essa? 
Respirei fundo mais uma vez, necessitada de oxigênio para me acalmar, e dei o primeiro passo rumo ao meu desastre. 
- Mãe... Eu tenho uma coisa pra te falar – comecei, sentindo meu coração disparar e meu corpo esquentar de tão nervosa que estava. 
- Ah, não... – mamãe suspirou, levando as mãos ao peito com a expressão um tanto horrorizada – Você está grávida! 
Franzi a testa, sem compreender seu pavor antecipado, e tratei de desfazer o mal entendido. 
- Não, mãe, não é isso... 
- Está usando drogas? – ela chutou novamente, mantendo o olhar aterrorizado, e se não estivesse tão nervosa, teria rido horrores. 
- Claro que não! – falei, revirando os olhos. 
- Não me diga que está pensando em abandonar os estudos e ir morar com um namoradinho do colégio num trailer no Texas! – ela disse, ainda mais chocada, e eu me irritei. 
- Será que eu posso falar o que é de uma vez ou você vai continuar com esses palpites sem sentido? – bufei, e ela abandonou a expressão de horror, adotando uma séria – Obrigada. 
- Desculpa, filha... É que eu me assustei com esse seu jeito sério – ela murmurou, e eu esbocei um rápido sorriso compreensivo – Pode falar, querida, o que foi? 
Hesitei por alguns segundos, ainda ponderando a hipótese de desistir, mas eu sabia muito bem que não podia. Ou ela saberia por mim ali e agora, ou teria uma bela surpresa na manhã seguinte, na sala da diretora. E eu preferia cometer pelo menos um ato de honestidade em consideração a ela. 
- Eu... Estou namorando – foi só o que consegui dizer, fechando os olhos por alguns segundos e me amaldiçoando por minha falta de coragem de completar a frase. 
- Oh, meu Deus! – ela sorriu, parecendo aliviada – Era só isso, meu amor? Que susto! Pensei que era algo mais sério! 
Abri os olhos, vendo-a me encarar com alegria, e esperei que ela fizesse a pergunta que provavelmente reverteria toda aquela situação. 
- Quem é o sortudo? 
Sustentei seu olhar, engolindo em seco. Não havia mais como fugir. 
- Meu professor de biologia – respondi, completamente apavorada. 
Mamãe não esboçou reação. Não a princípio. 
Meus olhos estavam bem abertos e fixos em seu rosto, agora com um sorrisinho congelado que aos poucos se desfazia. Minha garganta fechou, meu coração batia freneticamente, minha respiração havia parado por alguns segundos, mas tudo que eu conseguia fazer era encarar mamãe, esperando que a ficha caísse. 
Imaginei que ela levaria algum tempo para absorver o impacto. 
- Uau... Isso... Isso é verdade? – ela riu, bastante chocada, mas ainda não havia repreensão em sua voz – Você está mesmo namorando seu professor? 
Nervosa demais para abrir a boca, apenas assenti. 
O sorriso de mamãe não desapareceu de vez assim que reafirmei minha revelação, como eu imaginei que desapareceria. Por um segundo, cogitei a hipótese de minha mãe estar usando drogas. 
- Quantos anos ele tem? – ela perguntou, cerrando os olhos de uma forma interessada. O que diabos estava acontecendo? Cogumelos alucinógenos no cardápio da empresa? 
- Trinta – respondi, vendo-a assentir devagar, processando a informação, e a poupei do cálculo - Ele é treze anos mais velho que eu. 
Mamãe ficou em silêncio por alguns segundos, e eu não ousei quebrá-lo. Eu temia ser atacada a qualquer segundo, por isso me mantive na defensiva. Aquela reação inicialmente conformada não era a que eu estava esperando, me colocava em território completamente desconhecido. 
- Há quanto tempo? – ela indagou, mantendo a bizarra naturalidade – Digo, há quanto tempo vocês estão namorando? 
- Quase dois meses – falei, mal conseguindo piscar de tão alerta. Onde estava o momento em que ela se jogaria sobre mim e arrancaria todos os meus cílios com uma pinça? A qualquer momento agora, talvez. 
- Hm... – ela voltou a assentir, e ergueu rapidamente as sobrancelhas – Ele é um bom rapaz? Quer dizer... Homem? Argh, isso é esquisito... Você entendeu. 
Franzi a testa, sem saber como respondê-la. Eu estava completamente desprevenida. 
- Erm... Que eu saiba, sim – balbuciei, vendo-a me olhar como se estivéssemos conversando sobre os bíceps do vizinho gostoso – Ele é bastante, hm... Gentil. 
Ah, tá. Gentil não era um adjetivo exatamente abrangente para descrever Thur, mesmo que ele tivesse seus momentos. Mas tudo bem, eu estava ocupada demais tentando decifrar a reação de mamãe para pensar naquilo. 
- Isso é bom... Gentileza é importante – ela comentou, aproximando-se de mim sem pressa, e eu me preparei para perder um braço no maior estilo Kill Bill ou algo parecido – Imagino que vocês já... Bem, vocês já dormiram juntos, certo? 
- Mãe... Aonde você quer chegar? – perguntei, sem conseguir mais controlar meu nervosismo e me sentindo horrivelmente desconfortável com o rumo da conversa – Por que todas essas perguntas? Quer dizer... Eu estava esperando uma reação muito mais... 
- Violenta? – ela completou, esboçando um sorrisinho quase divertido, e eu apenas pisquei algumas vezes, sem saber o que pensar. 
- Talvez – confessei, completamente confusa. Mamãe fechou os olhos por alguns segundos, soltando um risinho, e segurou minhas mãos, levando-me para o sofá, onde nos sentamos. 
- Eu imagino o quão estressantes esses dois últimos meses devem ter sido pra você, querida – ela suspirou, colocando minhas mãos entre as suas e me olhando com compreensão – Mas não precisava ter sido desse jeito. Fico muito feliz por você ter me contado hoje, foi muito corajoso da sua parte... No entanto, preciso confessar que já desconfiava de que havia algo por trás das temporadas na casa da Sophia. 
Esbocei um sorrisinho extremamente sem graça, sentindo minhas bochechas esquentarem, e mamãe me lançou um olhar empático. Aquilo estava realmente acontecendo ou eu havia desmaiado e estava delirando? 
- Nós, mães, criamos nossos filhos para o mundo – ela prosseguiu, alternando olhares entre nossas mãos e meu rosto – Com você não é diferente. A cada dia que passa, eu me dou conta de que você é menos minha e mais sua... A cada dia, o seu espaço e a sua privacidade se tornam muito maiores do que eu jamais vou poder acompanhar, e eu entendo isso. É completamente normal e saudável que você amadureça dessa forma. Enfim, o que eu quero dizer com todo esse papo furado é que eu agradeço por você ter me contado, muito mesmo. Apesar de saber que eu poderia sentir muita raiva, você não fugiu de mim, porque temos muita confiança uma na outra. E essa é uma das maiores lições que uma mãe pode ensinar a um filho. Estou orgulhosa dessa prova de que você está amadurecendo... Deixando de ser a minha garotinha para se tornar uma mulher independente, que sabe o que é melhor pra si. 
Mamãe manteve o sorriso compreensivo, e só então eu me dei conta de que tinha chances concretas de continuar viva e inteira após aquela conversa. Toda a tensão daqueles últimos tempos estava se esvaindo lentamente, e eu me sentia mais leve a cada segundo. O apoio dela era tudo o que eu precisava para ser verdadeiramente feliz, e agora que eu o estava recebendo, todos os problemas pareciam cada vez menores. 
- Obviamente, eu estou morrendo de medo disso – ela confessou, e ambas sorrimos de um jeito nervoso – Eu posso ser bastante liberal, mas ainda sou mãe, e mães têm uma certa fobia em relação a tudo que possa representar perigo para seus filhos. Portanto, sim, eu estou muito assustada com o fator idade e pretendo conhecer e investigar direitinho esse seu namorado. Mas eu não posso simplesmente enfiar a mão na sua cara e te botar pra fora de casa por causa disso... Sabe por quê? 
Neguei com a cabeça, focando toda a minha atenção em suas palavras, e ela continuou: 
- Porque a primeira coisa que você faria seria procurá-lo... Estou errada? 
Sorri junto com ela, totalmente desconcertada, e neguei novamente. 
- Qual seria a minha atitude como mãe deixando minha filha nas mãos de um homem que eu não conheço? – ela perguntou, erguendo as sobrancelhas e entortando a boca por alguns segundos – Eu seria uma completa desnaturada, sem dúvida alguma. Não é certo te punir por gostar de alguém mais velho. O amor não escolhe endereço, sexo, religião... Muito menos idade. E eu sei muito bem disso. 
- Sabe? – murmurei, intrigada, e ela assentiu com um sorriso. 
- Acha que nunca me apaixonei por um professor? – mamãe riu, e eu a acompanhei – É claro que já. Várias vezes, por sinal. Chorava porque eles nunca me notavam, me derretia toda só de conversar com eles, até tinha vergonha de simplesmente olhar pra eles... Acredite, eu era patética. E assim como nós duas, praticamente toda garota se apaixona loucamente por um professor. Faz parte da explosão de hormônios que acontece na adolescência. 
Concordei com a cabeça, apertando sua mão e sentindo como se um peso enorme tivesse sumido de meus ombros. 
- Além do mais, seu pai é oito anos mais velho que eu, esqueceu? – ela ressaltou, e eu ergui as sobrancelhas, só então me recordando disso – Quando nos conhecemos, eu tinha 19 e ele, 27. Mesmo com nossa diferença nem tão significativa aparentemente, enfrentamos um certo preconceito. Sua avó não aceitou durante os primeiros meses, mas quando eu disse que iríamos nos casar, dois anos depois, ela percebeu que nós nos amávamos de verdade e passou a aceitar muito bem os oito anos entre nós. 
Assenti, refletindo sobre o que ela havia dito. Naquele momento, imaginei como estaria meu pai em Aberdeen, casado com sua nova esposa após a separação de mamãe. 
Provavelmente, lidando muito bem com os dez anos de diferença entre ele e minha madrasta. O pensamento me fez sorrir, e me lembrou de que eu estava devendo uma visita a eles desde as férias de verão passadas. 
- Obrigada por me compreender – agradeci baixinho, encarando-a com toda a minha sinceridade e gratidão – Eu juro que quis te contar desde o princípio, mas tive muito medo. 
- Não precisa se desculpar, meu amor – ela disse, sorrindo compreensivamente – Namorado nenhum nesse mundo vai te amar mais do que eu, portanto confie em mim pra tudo, eu vou te apoiar seja no que for. Até mesmo se estiver grávida, usando drogas... Mas quanto à parte do trailer no Texas, nem pensar. 
- Obrigada – falei, dando risada de sua careta ao finalizar a frase, e ela se empertigou no sofá, como se estivesse embaraçada com o que estava prestes a dizer. 
- Já que estamos resolvidas quanto a isso... E se você me perdoa a curiosidade, eu... Bem, eu quero saber de tudo – mamãe confessou, dando um sorrisinho sem graça, e eu engoli em seco – Como começou, o que aconteceu... Só corte os detalhes mais sórdidos, por favor. 
Hesitei antes de respondê-la. Talvez o pior ainda estivesse por vir. 
- Eu não sei se você vai gostar disso... – respirei fundo, resgatando minha coragem e determinação para narrar os verdadeiros acontecimentos dos últimos meses, até mesmo os menos gloriosos – Mas eu prometi a mim mesma que você saberia de tudo por mim, antes de possivelmente ouvir versões de outras pessoas. 
Mamãe franziu a testa diante de minha seriedade, e eu comecei. 
Expliquei toda a história, desde breves perfis dos dois até os recentes acontecimentos em relação ao meu rompimento com Mica. Não alterei nenhum detalhe, determinada a ser totalmente verdadeira com mamãe. Mesmo tendo demonstrado muita compreensão, eu não sabia como ela reagiria diante de todas aquelas revelações, e eu não pretendia mais mentir para ninguém. Muito menos para ela. Mesmo que isso fosse mudar completamente sua reação diante da situação. 
- Deixe-me ver se entendi direito – ela disse, quando eu terminei de falar, concentrada em organizar os fatos em sua mente – Você namorou por um tempo com um, mas acabou traindo-o com o outro e se apaixonando por ele. Quando você já não agüentava mais toda essa culpa e estava finalmente disposta a ficar apenas com o amante, descobriu que o outro um tinha uma noiva desde o começo, e agora ele está disposto a tudo para te prejudicar porque descobriu que estava sendo traído? 
- Basicamente, sim – assenti, levando alguns segundos para compreender o resumo confuso que ela havia feito e sentindo-me novamente nervosa diante dela. Agora sim eu estava quase certa de que receberia alguns golpes de luta livre ou seria submetida a algum tipo de tortura chinesa. 
Mamãe ficou quieta por alguns minutos, compenetrada em algo que eu não estava enxergando na altura de seu joelho, e eu não ousei interromper seu devaneio. Era informação demais para uma noite só. 
- Meu Deus... Minha filha é uma femme fatale e eu nem fazia idéia disso – ela murmurou, quando já parecia um pouco mais adaptada aos fatos, e me encarou com o olhar levemente perdido – Quer dizer... Dois de uma vez? 
Baixei meu olhar, sentindo uma vergonha infinita, mas mamãe não me deu tempo suficiente para mergulhar nela. 
- Se eu te disser que isso é algo fora do comum, vou ser honesta e mentirosa ao mesmo tempo – a ouvi continuar, e reergui meus olhos até os dela, agora um pouco mais focados – Não é todo dia que uma aluna conquista dois professores assim, mas traições inevitáveis acontecem todos os dias, assim como a Sophia te disse. 
Ela fez uma breve pausa, buscando as palavras, e eu me concentrei em não parar de respirar, por mais tensa que eu estivesse. 
- Isso tudo que você me contou... É passado, certo? Você e o Thur estão juntos de verdade agora, e não há chance alguma de Mica retomar seu antigo posto? – ela perguntou, e eu confirmei sem hesitar – Ótimo. Você se meteu numa bela saia justa, mas pelo visto tomou a sua decisão e não pretende cometer o mesmo erro. 
- De preferência, nunca mais – reforcei, realmente traumatizada, e mamãe esboçou um sorrisinho. 
- Bom, eu não vou dar mais nenhum discurso filosófico por hoje, não estou conseguindo nem me lembrar do meu nome. Minha cabeça vai começar a doer daqui a pouco, e eu ainda tenho muito para digerir e concluir essa noite – ela disse, sem uma expressão muito bem definida – Só o que eu te digo é: se você esperava que eu te expulsasse de casa e arrancasse o seu rim pela boca... Infelizmente não foi dessa vez. Eu não estou te odiando nem com vergonha de você, só preciso formar uma opinião concreta sobre tudo isso... Está tudo bem, de verdade. Amanhã conversaremos de novo e eu vou saber exatamente o que te dizer, pode ser? 
- C-claro – gaguejei, sentindo pela segunda vez um alívio imensurável me preencher devagar, e mamãe me deu um beijo na testa. Eu tinha uma certa noção de que ela era liberal e compreensiva, mas não tanto. 
- Vou tomar um banho, começar a acomodar tudo isso na minha cabeça... A água quente vai me ajudar, tenho certeza – ela falou, levantando-se e indo até as escadas com um sorrisinho no rosto – Ah, sim, pode ligar pro Thur agora dizendo que está viva. E diga a ele que está intimado a vir jantar conosco nesse sábado. Vou preparar a melhor mousse de chocolate da história pra sobremesa. 
Dei um risinho divertido, vendo-a subir os degraus, e fiquei paralisada por alguns segundos, completamente incrédula. 
Eu tinha ouvido errado ou minha mãe acabara de dizer que ia fazer mousse de chocolate especialmente para Thur? 
Talvez eu estivesse usando drogas sem saber disso. Eu já devia saber que o bebedouro da escola não era confiável. 
Me mantive imóvel por mais um tempo, atordoada demais para me mover, e assim que fui capaz, peguei o telefone e disquei o número de Thur. 
- Alô? – ele atendeu, no primeiro toque. Demorei algum tempo para finalmente abrir a boca. 
- Eu... Eu tô viva – murmurei, sem saber exatamente o que pensar. 
- Deu tudo certo? – o ouvi perguntar, eufórico, e eu assenti, esquecendo-me de que ele não me via. 
- Sim... Pelo menos foi o que ela me disse – respondi, tropeçando um pouco nas sílabas – Ela até te... Convidou pra jantar no sábado. 
- Pois diga a ela que eu estarei aí – ele comemorou, rindo de um jeito aliviado e divertido - Eu disse que ia ficar tudo bem, não disse? 
Somente após ouvir o que ele havia dito, consegui sair de meu transe e me dar conta do que havia acontecido. 
Tudo ficaria bem agora. Eu tinha o apoio de todos que realmente eram importantes para mim, e não precisava mais enganar ninguém. 
Quanto a Mica? Bom... Ele ainda era um problema. Mas agora eu podia enfrentá-lo com toda a minha força, sem precisar desviá-la para nenhuma outra pendência. 
Pela primeira vez desde que toda aquela confusão começara, eu me sentia verdadeiramente forte. 
- É... Você disse mesmo – sorri, sentindo uma certa dose de ansiedade e segurança circulando em minhas veias – Está tudo bem. 

Me sentei em minha carteira, abrindo meu caderno e tirando o estojo da mochila. Por uma razão que tinha nome, sobrenome e sede de vingança, eu estava alerta, apesar da noite mal dormida devido à tensão e ansiedade que ainda me atormentavam. 
Sophia, já a par de todos os acontecimentos da noite anterior (ligações noturnas são um certo costume entre nós, ainda mais em situações como aquela), me pedia calma. Tudo vai dar certo, nós estamos do seu lado, ela dizia. 
Ok. Pode até ser. 
Mas ainda assim, meu estômago insistia em contorcer-se a cada dez segundos, lembrando-me do mau pressentimento que apitava como uma bomba-relógio no fundinho de minha mente há dois dias. 
Onde foi parar aquela dose de segurança que estava bem aqui ontem? 
Um grupo de garotas rindo um tanto escandalosamente entrou na classe, parcialmente vazia devido ao constante atraso da maioria dos alunos, e em alguns dias, dos próprios professores, que costumavam enrolar um pouco antes de finalmente iniciarem seu dia de trabalho. Fingi anotar algo em meu caderno, mas pude sentir os olhares delas ardendo sobre mim, cheios de maldade. Me concentrei em minha respiração, tentando me manter calma, mas bastou uma espiada de canto de olho para que um nó se formasse em minha garganta. 
Kelly Smithers não havia entrado na sala junto com suas melhores amigas, como ela fazia todos os dias... Sem exceção
Não poderia haver nenhum tipo de irregularidade nisso, sendo que eu a havia visto no pátio antes de subir, certo? Talvez ela estivesse se amassando com algum parrudão do time de futebol e pretendendo matar a primeira aula... Pela primeira vez em toda a sua vida escolar
É. Isso. Certo. Sem pânico. Não há o que temer. 
Lua Blanco? – o inspetor perguntou, colocando a cabeça para dentro da sala de aula, e eu pulei na cadeira, assustada ao ouvir meu nome. 
- E-eu – respondi, erguendo discretamente a mão, e ele me encarou com a expressão indiferente. 
- A diretora me pediu pra te chamar – ele disse, e imediatamente todas as amigas de Kelly fincaram seus olhares em mim – Ela quer conversar com você na sala dela. 
Prendi involuntariamente a respiração por alguns segundos, encarando o inspetor que começava a estranhar minha demora, e tudo que consegui fazer foi assentir, levantando-me e indo até a porta com a mente em branco. Talvez eu tivesse atingido um nível tão alto de tensão que boa parte de meus neurônios tivessem morrido fritos. 
- Boa sorte, vadia – uma das garotas do grupinho maldoso murmurou quando passei por ela, me encarando como se eu fosse uma serial killer a caminho da injeção letal – Você vai precisar. 
Franzi a testa, sem saber como reagir, e apenas continuei andando até o corredor, descendo as escadas rumo à diretoria. Minhas pernas tremiam e meu rosto estava congelado numa expressão vazia, mas meus músculos continuavam me levando até a sala na qual a diretora me esperava por algum motivo. Eu não era exatamente o tipo de pessoa masoquista, por mais que isso seja duvidoso de vez em quando, mas inexplicavelmente, eu sentia que meu corpo agora me guiava na direção do olho do furacão. 
Parei à porta da diretoria, ainda num estado de hipnose. Encarei a maçaneta, sem coragem de tocá-la, mas algo fez com que minha mão fosse mecanicamente até ela e a girasse, abrindo a porta e revelando quatro pessoas dentro dela. 
- Olá, senhorita Blanco – a diretora Maggie Scott disse, indicando a única cadeira vazia em sua pequena sala com um gesto de cabeça – Sente-se, por favor. Receio que tenhamos alguns assuntos a esclarecer... E pelo que eu estou vendo, isso vai nos tomar um bom tempo. 
Fixei meus olhos nela por alguns segundos, sentindo o mau pressentimento explodir dentro de meu peito, e logo desviei meu olhar do dela. Havia mais três olhares sobre mim, e cada um deles roubou minha atenção por um curto período de tempo, deixando-me zonza com as cargas emocionais tão divergentes que transmitiam. 
Diante da mesa da diretora Scott, Arthur Aguiar, Micael Borges e Kelly Smithers me fitavam, todos com enorme intensidade. 

Porém, com intenções bem diferentes. 

Créditos: Fanfic Obsession.

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